quinta-feira, 17 de março de 2011

Cativos da antena



Antena a pena da nova escravidão
Pobre parede crivada como  mourão
Antes correntes, hoje fios
Por estes, personagens sem brios
Antenas, em cada sala uma arena.
Eu ao estranhamento aceno
Louco.
Carreguem em seu bolso
Na carteira, na palavra
Durmam com a antena.
Eletrodebilineticos seres já não falam
Só captam
Só cooptam
Nem sirena desmonta a cena
Dos cativos da antena

terça-feira, 8 de março de 2011

Página aberta



Chegaram livros novos, uma coleção sobre educadores vindos diretos de Brasília, ou seja, livros padronizados capas iguais, comentários idênticos, tudo igual menos o conteúdo é claro.
No computador uma leve poeira mostrava a cor âmbar que o sol de final de tarde revelava, a tela, já trocando as fotos mostrava uma equipe feliz, demonstrava também que o computador estava parado a um bom tempo, o que não era novidade.
Arrumou os cabelos, naquele horário o calor era um visitante desajeitado, estava louca pára ir embora, sentiu o aroma do creme novo que estava usando.
Pensou em toda aquela vaidade, questionou. _No fim para que? Ou para quem? Ah! Mas a aquela vizinha nova tava com uns cachos..., ai queria ter uns cachos também.
Registrou mais um livro, que se multiplicavam a cada olhar, o mesmo olhar que se resumia na mesmice daquelas paredes curtas, antigas, sempre soube que as paredes daquele lugar não condiziam com todo aquele conhecimento, não era burra.
Livros novos só assim, vindos de longe, a prefeitura é complicado mesmo, lembrou de outros que pela administração da biblioteca passaram, era outro ritmo outra verdade , não questionava, trabalhava-se mais, entretanto é como se sentisse útil, parte de algo maior, mas tudo tinha um limite e era  o que chama de ranço cultural. Aquelas dondocas frigidas que se acham em uma atmosfera acima do povo, das pessoas, em fim se achando mesmo, pensou e riu. Não gostava daquele tipo de gente.
Olha quem fala?! Calma Josete eu só to sozinha, não to fria nem metida.  Abanou-se, abriu a blusa mais um pouco, lentamente tirou o botão negro da casa como se ele quisesse ser retirado, logo saiu, estava expulso, livre...
Arfou o ar, espalhou-se na cadeira, largou a caneta, balançou as pernas, sentiu o calor perturbante, abanou-se com uma folha de papel, suspirou.
Naquele estado, não percebeu os passos que vinham cadenciados pelo o corredor de acesso, eram fortes, firmes, porem espaçados, como se os donos daqueles passos estivessem a observar, a ver o não visto.
Foi pega com o decote palpitante sendo abanado, com o mesmo movimento rápido se recompôs e se abaixou como que se pegando uma caneta no chão, o disfarce foi colocado em xeque pelo tradicional “Rum Rum” e um cordial e preenchedor boa tarde.
_ A desculpe estava distraída.  Nunca adotou a blusa com tanta destreza, mas se recompôs plenamente com um movimento de cabeça que movimentou suas longas mechas negras.
_Oi, tudo bem não vi que era você.
_A sim fazia tempo que não vinha.
_É verdade
_É me mudei estou morando em um bairro do outro lado do morro, tem que passar o centro.
Ainda bem que não é um estranho, com a Vanessa de férias isso fica meio deserto mesmo. Refletiu, pensou que o perigo pode estar perto em um entrar pela porta,  mas isso lhe serviu como alívio pois conhecia o cidadão, não se lembrava do nome dele mas era um frequentador assíduo, que tinha sumido.
_Então que procura?
_Bem, algo que ocupe alguém com sérias restrições orçamentárias. Alguém sem grana sem. Sem nada.  Riram os dois.
_Porque, vai ficar o verão escondido?
_É mais ou menos to mal mesmo, muitas dívidas, então quero ficar por casa, lendo escondido mesmo, sumido.
_Bem então vou te ajudar, temos uns títulos novos. E se levantou dirigindo-se até o centro da biblioteca.
_Eu queria na verdade algo substancial, algo denso para me ocupar até o carnaval pelo menos ou algo alegre, algo que rejuvenescesse, ressuscitasse, entende?
_Algo tipo romântico, tipo “Não te amo, quero-te: o amor vem d'alma.
E eu n 'alma – tenho a calma”.
_Agora não entendi, disseste que queria algo romântico e falou que não quer amor?
_Calma é só um poema.
_AH!
_Aqui temos a seção de romances.
_A legal.
Josete pegou um livro que estava fora do lugar e se embrenhou no corredor o que acabou fazendo que os dois ficassem muito próximos, sentindo a respiração, os sons, um do outro.
_Ah desculpe vou te deixar procurar.
A resposta foi à ponte entre os olhares que se cruzaram, ligando algo que nascia como que constrangido, porem marcante, vivo.
_Espere. Falou ele, antes que Josete saísse e fosse só uma sombra entre tantos livros.
_Eu queria algo desesperado como... Deixa-me ver... Como se fosse um sofrimento, um sofrimento de amor como do Jovem Werther, que morreu sem a extrema unção por um amor.
_Ah! Este eu não conheço. Desculpa
Esta frase foi o suficiente para florescer na solícita bibliotecária a curiosidade, quem era aquele cara, ora ela o conhecia, ora não. Sim fazia anos que frequentava o ambiente da biblioteca até foi convidado para um evento ano passado, mas quem era ele na profundidade daquele olhar calmo, do alto daquele corpo esguio, e daquela voz sem variações.
Fantasiou seu corpo, pensou que ele poderia ter pêlos no peito, ser forte, reparou nos dedos longos, imaginou onde eles poderia estar  o que aqueles dedos poderiam fazer.
_ Ia ser legal algo como “Sonhando para o inverno, indo num vagãozinho rosa.”
_Queria achar uma Isaura.
_Ah! Como a da novela?
Ele riu e apontou o livro correspondente. _ Em certos aspectos tu parece com a Isaura.
_Como? Eu! Eu sou só uma bibliotecária que quer ir embora para casa tranquilamente sem maiores percalços.
_Ummm! Entendo. Mas na verdade pareces uma “Tulipa Real, Alva por dentro com uma antífona, e colorida por fora para realçar a beleza.”
_Olha, qual teu nome mesmo?
_É Sousa, Luiz Sousa, sendo interrompido.
_Eu não estou entendendo uma palavra que tu ta falando, e honestamente não estou...
_Gostando? Ele a interrompeu._ Diga que não gosta de ser Idealizada? De saber que se morre de amor? Ele deu passos em direção a mulher. _Nem que seja por um momento?
_Ah! Olha por favor, eu não gosto deste tipo de papo.
_Então a Madame é casada?
_Não! Mas o que isso importa?
_Ehh !
_Porque você ri. Josete indigna-se.
_Porque isso é bom.
Um breve silêncio vociferou no local, as páginas como testemunhas viram um aproximar predatório, a caça assim se colocava se abria, vestia a personagem,  então como uma oferenda a ela mesma, Josete queria aquela aproximação aquele momento já tinha cores e agora tinha aroma, sentia o perfume de  seu algoz e gostava, olhava para as grandes janelas daquela grande sala e um leve vento atravessou a cena como um fantasma e foi-se, ela sentiu então mais prazer.
Quando seu olhar voltou para o eminente homem a sua frente foi abduzida por um beijo cortante e decisivo, reagiu com as mãos menos que com o corpo, que se implodia e renascia em segundos, sentia tremulamente os pés, as cochas o sexo a barriga, os peitos, tudo no corpo falava uma só voz e gritava.
Rápida como era, desistiu e se jogou naquele momento que um sonho descreveria melhor, mas ao mesmo tempo queria entrar no jogo, então era hora de se fazer de difícil, desprendeu-se dos braços dele e virou-se de costas.
Ele após colocar as mãos na cabeça e mover os lábios para sorrir, entrelaçou novamente seus braços, desta vez em sua cintura, ela largou um “ui” melodioso.
As mãos agora falavam, eram as quatro uma, linguisticamente sincronizadas explorando um hora outro corpo.
A blusa não resistia, entregava a recompensa de um sutiã florido no bojo e vermelho nas alças logo foi este largado ao chão. O homem beijou freneticamente as extremidades rígidas  daqueles peitos generosos.
Josete já não pensava só seguia o fluxo ensandecido de um fulgor sem nome que a levava até as calças daquele homem que talvez tivesse nome, mas era como que um estranho.
Sua mão prenchia-se com o pênis formado. Era um encaixe que se movimentava carinhosamente depois vigorosamente, ela não olhava somente, desejava e sentia queria ele dentro do seu corpo.
Foram para mesa da sala de estudo cambaleando, os dois entre roupas inconvenientes e livros que caiam, eram vários, Hesse, Barsa, Lautréamont, Drumonnd, didáticos, Ianelli, Freire, todos ao chão.

O que eles em suas palavras poderiam soar mais fortes que aquele gemido comprimido por um dedo na boca?
Seminua, ela então quase caindo se agarrava em folhas de outros tantos livros que não aguentavam a voracidade dos corpos, eram arrancados e jogados, eram folhas ao ar.
Então ela o apertava com as pernas pressionando seu homem  para dentro de sua vagina com força igual ao seu gemido  sincronizado, louco.
Repentinamente caíram, deslizaram juntos abraçados como um, por entre capas, folhas, poemas, contos,
Continuaram seu sexo sem palavras mordido, chupado, beijado, continuaram amaram-se.
Respiraram, soltos ela olhou para o lado e enfrentou  Roberto Piva , e achou melhor olhar para sua fonte de prazer, um prazer que a muito não sentia.
Ele então começava a se vestir ligeiramente para espanto de Josete, que reagiu da mesma forma.
Já na recepção ela corria para a porta ainda arrumando-se então falou:
_Ei espera ai aonde vai, me usa e vai embora? Seu maluco volta aqui!
Ele se volta para trás e fala com ar maroto:
_Me encontra na 009.922, C492p, estarei sempre lá.
Ele correu e sumiu na esquina, por tudo que aconteceu e pela resposta técnica dele, ela ficou atônita e nutriu vontade de correr atrás daquele mistério em forma de carne e osso.
Voltou como que acordada, ressacada de um porre espiritual, começou lentamente a arrumar a balbúrdia que no local se configurava.
Na sala de recepção, no corredor, entre as prateleiras um caos, o medo de que alguém chegasse a fez não pensar só mecanicamente em arrumar, até que pensou em procurar o livro que ele falou.
Sem muita demora o encontrou, era de poemas e procurou o autor, era local e a foto estava esbranquiçada e deteriorada assim como o livro.
Fechou e voltou a terminar de organizar a biblioteca, já estava na hora de ir embora, em época de férias era sempre assim todos iam embora e ela fica sozinha para fechar o prédio.
Fechou e foi embora.

Fotos:  Owen O’Meara  Yasmina Alaoui and Marco Guerra